3.3.10

O Calibre-Que-Pouco-Importou






O calibre pouco importou - acendeu outro cigarro, sacudindo o fósforo, a salamandra extinguindo num fio de fumaça. Sentiu a ponta fria contra a têmpora esquerda, a mão trêmula, o sangue silenciando nas veias. Era como se houvesse um espaço entre as batidas do coração, espaço rubro, espaço de tempo, espaço que preencheu soltando o ar dos pulmões... Pensou em contar, dizer a si mesmo que soluções - Existiam aos montes, tanto quanto estrelas no firmamento. Não contou, preferiu suspirar, sentia o coração pulsando na ponta dos dedos - Ele sabia, o velho coração sabia, os olhos revelaram, talvez as pontas dos dedos quando tirou do bolso do paletó... O calibre-que-pouco-importou.
E se houvesse vestido aquele paletó alguma vez, o calibre-que-pouco-importou esquecido dentro do bolso, estaria protegido? Proteção-proteção-proteção, estava realmente cansado de tudo, porque pensar agora?. Pareciam tão preocupados em protegê-lo dos outros, protegê-lo de tudo, mas... Ao menos alguém pensou em protegê-lo  de si mesmo? Bobagem, alguns gestos não dizem tudo. Tudo-tudo-tudo. Tragou com força, a ponta em brasa, perfurando a escuridão. Preferiu não esperar, a espera é como a esperança, pensou, mas esperança é palavra usada quando acreditamos em algo. E espera, quando o peso nos ombros é insuportável. E para ele a crença estava no peso, no sofrimento de continuar vivo. A ponta fria contra a têmpora vacilou, o peso do calibre-que-pouco-importou, adormeceu-lhe o braço.
Não esperou e não soube exatamente quantas pessoas ouviriam o disparo, tampouco a que distância era possível ouvi-lo. Não escreveu carta de despedida, não separou os bens, não colocou água para o gato, ou trancou a porta, não preocupou-se em sujar as cortinas, ou acender a luz. Nada daquilo importou, no escuro a vida não parece crua... As mentiras são invisíveis, a culpa é irrisória e a morte torna-se facilmente real.

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