19.8.10

Sorria!


Ele (nós/vós/eles) acompanhou a fila sem uma ideia para as próximas semanas, "os filósofos são todos uns cretinos" balbuciou por trás do sorriso invertido, "Preconceituosos" reconhecia e tinha total capacidade de perceber as palavras fajutas de seus livros, "um escritor de auto-ajuda precisa sobreviver" dizia a si mesmo, "garantir o pão de cada dia... Como qualquer outro profissional".
Viu o sujeito a sua frente encaixar o arame atrás das orelhas "Mesmo que para isso" Suspirou, "Precise arranjar uma fórmula enganosa e assentir positivamente diante de suspeitas... Sobre a felicidade alheia".

3.8.10

ego-ísmo



Tenho exagerado na dose...
Exagerado a ponto de não sentir o estrago.
Talvez funcione como "ato isolado", 
como bom sinal, desperdiçando tempo.  
Na espera reconheço
egoísmo


14.4.10

Ela não sabia as respostas...



ou preferia não saber... Ignorá-las. Era mais fácil quando fazia o
 que pediam. Sorria de modo indulgente mantendo a ponta dos pés firmes. Ocorreu-lhe que deixar o outro sentir um pouco mais de saudade, aumentaria a gratificação. Largou o cinzeiro no carpete e torceu para que não tivesse ido muito fundo. Os olhos manchados fixos no quantia absurda que valia um ato cru. Respirou fundo - "Nada mais me enfastia...". 

abandonos





Foram deixados lá até quando as folhas  invadiram a sala feito plumas adulteras conduzidas pela brisa morna. Até quando as irmãs cortaram dedão e calcanhar. Até quando verberou um delírio - Os tais sapatos de cristal. Era difícil pensar numa Gata borralheira abandonando velhos sapatos... Crendo na superstição de que deixando-os invertidos jamais encontrariam seu caminho.




14.3.10

Trópico de Câncer



“... Hoje sinto orgulho que dizer que sou inumano,
que não pertenço a homens e governos, que nada
tenho a ver com a maquinaria rangente da humanidade
– eu pertenço à terra"


4.3.10

Amor Ideal

                    
Não há uma certeza sobre o Amor ideal. Ao longo dos anos, arrisco dizer - Ao longo dos séculos. Fomos levados até uma encruzilhada onde as histórias de Amor foram escritas próximas ao peito - Romeu e Julieta, Dom Quixote e Dulcinéia, Bentinho e Capitu. Histórias que não revelam o um só Amor. Aquele que se sente além das palavras. Quem sabe o Amor não esteja verdadeiramente nas histórias escritas por amantes. Talvez o Amor tenha tantas formas que não possa ser escrito.


fotografia - César Cardadeiro e Letícia Persiles como Bentinho e Capitu.
Na microssérie CAPITU exibida pela Rede Globo em 2008. 

Meu quase encontro com Fernando Pessoa

Às dez e vinte e sete daquela manhã um garoto de recados entregou-me a resposta da carta. Viajei em um navio chamado Henriqueta dias antes, e estava queimando de expectativas quando desembarquei e corri pelas ruas a procura de um quarto de hotel, recitando poesias em meu inglês muitíssimo ruim... poesias de Pessoa. Hospedei-me em um quarto alugado num hotel-pensão barato com banheira no toalete, o único quarto que encontrei por menos do que eu tinha no bolso (mas minhas aventuras empobrecidas não importam agora).

Havia conseguido a viagem para Portugal com os pequenos contos e textos que a revista publicou, de início não pensei em receber valor algum, era minha paixão, um desejo, ler meu nome ao sopé das páginas, e saber que aquela era mais uma história minha. Em geral eram publicadas em uma mesma revista "clandestina" que trocava de nome todo santo sábado, e se não estou enganado o nome hoje é Livre Espírito talvez Livr'espírito...Ou coisa parecida.
Um companheiro de biblioteca e longos debates sobre Heterônimos, disse-me que poderia conseguir um encontro com o cunhado do primo de um conhecido que trocava as dobradiças da porta da frente, de onde  Fernando Pessoa trabalhava, falando com o tal do trocador de dobradiças, afirmou que conseguiria para mim algumas poucas palavras ou quem sabe até mesmo um almoço com Fernando Pessoa. 

Enquanto suava e pulava de um lado para outro recebi a visita do menino de recados, entregou-me um envelope pardo, e com mãos nervosas abri com cuidado, a caligrafia estranha e manchada do trocador de dobradiças dizia que eu deveria esperar o poeta  ao meio dia em ponto próximo a um restaurante que também oferecia o serviço de engraxataria. No mesmo instante em que guardei o envelope, u
ma trovoada anunciou a utilidade da sombrinha em minha mala,
a mesma que já havia me salvado de chuvaradas repentinas. Sai tropeçando calçada a fora, temia não encontrar o restaurante, mas o garoto perguntou-me se poderia ajudar com mais alguma tarefa, assenti e expliquei a ele, o moleque de sotaque forte volveu que acharia facilmente se fosse com ele. Levamos meia hora
segundo meu relógio de pulso para chegar ao local combinado, eram quase onze e quarenta e cinco da manhã quando a chuva começou, o menino correu para se abrigar no restaurante, eu fiz o mesmo, mas logo voltei ao meio da praça para esperar olhando diretamente para a ruela que presumi ser por onde ele, o poeta... Criador de Ricardo Reis & Cia apareceria.  
As pessoas passavam apressadas com suas sombrinhas sobre a cabeça, e lá estava eu - Agora sentado em um banco, como se a chuva não batesse no chão ou molhasse o banco, mas empertigado ali me senti seguro.O mais estranho foi quando uma mulher bem vestida, bem portada também, parou alguns passos, parecendo procurar alguém, a observava com o canto dos olhos, ela veio até mim e perguntou as horas, eu respondi que eram quase doze, ao certo - Onze e cinquenta e três. Ela sorriu agradeceu e comentou que não gostava da chuva, mas teria que ficar por ali também, em seguida sentou-se ao meu lado. Ela disse que esperava alguém. Eu sorri, não queria conversar, mas ofereci a proteção da sombrinha já 
que ela preferiu ficar sentada ao meu lado. Eu estava ocupado demais pensando no que falaria para ele, o poeta. Que não me importei em dizer meu nome ou  o motivo de estar sentado na chuva. Passaram-se duas horas, uma carroça passou, e duas freiras, e também
a chuva. Continuei ali sentado, a sombrinha agora nos protegia do sol que surgiu de trás das nuvens para abafar e secar as ruelas a mim e a mulher.

Ela foi embora sem dizer mais nada  se não um "mui grata!", levantou-se e saiu a marchar em direção ao oeste, bem vestida, meio molhada. 
Esperei e esperei... Outra chuva veio, essa foi mais forte me obrigando a correr até o restaurante, esperei por mais duas horas, até voltar para o hotel frustrado. Lá encontrei um bilhete, somente um bilhete... era dele, do poeta... Me pedindo desculpas, dizendo que não poderíamos nos encontrar porque tinha de se encontrar com outra pessoa, uma mulher, mas não sabia se deveria, pois os astros diziam o contrário. Desculpou-se também por não me enviar nada (entre parênteses escreveu a palavra LIVRO) pois já havia enviado o último que possuía para a tal da mulher... (no mesmo instante eu pensei na  mulher bem vestida que sentou-se ao meu lado no banco molhado).Em letrinha miúda ele escreveu:

"Quem sabe em outra oportunidade...
Atenciosamente Fernando Pessoa".