1.3.10

Horas fictícias



Nas primeiras horas
de dedos livres, usava uma verdade pesada, como um paletó de lã grossa na chuva. Diante das teclas da velha máquina de escrever de nome próprio... Respirava a fumaça do cigarro preso entre o indicador filosófico e o dedo-maior quadrado. E sentia-se como um brinquedo esquecido embaixo de um móvel desusado. Seu papel ali era manter-se sentado até descarregar linhas de membros rijos e bicos rosados.
Se fosse necessário buscaria um volume da 
"crucificação encarnada" e sentiria a excitação de Miller, de frente par'o espelho... De palma firme e dedos leves. Mas logo voltava-se para a verdade pesada sobre os ombros, a mesma verdade que prendia-o olhando-se no espelho nu, a verdade rubra, quente, que escapa quando se quer bem perto. Aproximaria os lábios dizendo "me enfeita num  beijo". E a verdade que toca sutilmente e liberta as mãos, alongando os segundos e definindo sabores... Se transformaria em ação sutil. A verdade que enfeita, que revela cuidadosamente abraços e apertos, enquanto perto do peito longas páginas são edificadas. Respiraria profundamente e a pedido dos desejos rabiscaria linhas sobre o sabor de mar e o perfume de carne úmida. E mais uma vez o brinquedo encontrado rolaria para a beirada e desapareceria ao cair novamente... Mas ficaria lembrado, agora como o enfeite de um beijo. 
 FOTOGRAFIA - DAVID HAMILTON

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